Se depender de dois dos grandes gestores de recursos do país, é hora de o investidor brasileiro ficar mais precavido com os riscos no horizonte.

Com um tom mais receoso ao traçarem seus cenários para as economias globais, em especial as emergentes, Luis Stuhlberger, da Verde Asset, e Rogério Xavier, da SPX, deixaram claras as preocupações especialmente com o aspecto fiscal, com uma piora por conta dos estímulos promovidos em escala global em razão da crise do coronavírus.

Ao lado de Artur Wichmann, ex-Verde e atualmente sócio da Citrino Gestão de Recursos, Stuhlberger e Xavier enfatizaram na noite desta segunda-feira (24) que as preocupações do mercado com a Covid-19 em si parecem já estar nos preços. O mesmo, contudo, não pode ser dito da questão fiscal mundial, com destaque para a do Brasil.

“O mercado não está dando o devido valor à fragilidade da economia brasileira”, afirmou o fundador da Verde, durante evento promovido pela casa de análise de investimentos Eleven Financial.

Na avaliação de Stuhlberger, os governos globais só vão subir os juros quando houver uma volta inflacionária muito séria, com possibilidade inclusive de se atrasarem na decisão por medo.

“A humanidade de vez em quando precisa resolver o problema da dívida de alguma forma. E às vezes digo que alguma hora a gente vai ter um grande Plano Collor mundial. Porque ou é isso, ou é a hiperinflação, que será devastadora”, enfatizou o gestor, reforçando que não se trata de uma preocupação para o momento, ainda que os efeitos sobre emergentes possam ser antecipados.

As consequências dos gastos adotados pelos governos na crise ainda não estão claras, indicou Stuhlberger, mas, entre os emergentes, o Brasil foi “certamente um dos piores” países, com um déficit fiscal desproporcional.

E a avaliação em relação à epidemia em si também é negativa. “O Brasil foi certamente um dos países mais incompetentes, por várias questões, em termos de combate ao Covid.”

Xavier mostrou visão semelhante. O fundador da SPX considera que o anúncio de uma vacina contra o coronavírus não é mais uma preocupação para o mercado, que já colocou o lançamento na conta para o fim deste ano ou início do próximo. O gestor ainda indicou os riscos fiscais, com preocupações sobre a atuação do Banco Central brasileiro.

“Acho que as grandes preocupações são o que é o mundo com esse endividamento todo que foi feito para suportar as economias e com certos setores da economia que dificilmente voltarão ao patamar anterior”, disse Xavier, em referência a segmentos como a indústria de entretenimento, restaurantes e companhias aéreas.

“Isso por si só já faz com que o mundo não volte ao patamar anterior. Em termos de crescimento, dificilmente vamos ver o mesmo patamar pelo menos nos próximos dois anos”, complementou.

Banco Central imprudente?
A atuação do Banco Central nesta crise preocupa os dois renomados gestores. Para Xavier, o BC se comportou como uma instituição de país desenvolvido, assumindo riscos inflacionários desproporcionais a um juro de apenas 2% ao ano.

“Como gestor de um país emergente, acho que esse BC está tomando muito risco para o tamanho do problema fiscal que ele tem”, observou, ressaltando que prefere a política adotada no México, com juros e inflação mais próximos de 4%.

A política adotada pelo BC estaria levando a mudanças nos portfólios dos investidores em uma velocidade muito acelerada, com as pessoas tomando riscos sem necessariamente terem dimensão dos efeitos de uma reversão das medidas de liquidez injetadas pelos países desenvolvidos.

“Fico muito preocupado com a estratégia tomada no Brasil. Acho que estamos vivendo certa ilusão do mágico acreditando na própria mágica”, disse Xavier, que também apontou preocupação com o câmbio e as intervenções do BC nele.

“Me preocupa muito a visão de que o Brasil e outros emergentes podem fazer as mesmas políticas que banqueiros de países desenvolvidos estão fazendo.”

Stuhlberger endossou a avaliação e reforçou que, ainda que o BC possa ser bem-sucedido, os riscos poderão levar a autoridade monetária a enfrentar uma subida rápida dos juros.

“Achar que uma depreciação cambial desse tamanho é indolor, que isso não vai ter consequências no futuro, eu acho muito arriscado.”

Bolsas do Brasil e dos EUA
De olho no desempenho da bolsa brasileira em dólares, com raiz em “certa disfuncionalidade do câmbio”, o gestor do fundo Verde disse que, se o Banco Central conseguir ser bem-sucedido em sua política e se nenhum país emergente “estourar” em 12 ou 24 meses, a tendência é haver uma apreciação de capital.

“Certamente prefiro ficar nela [na Bolsa] que nos juros”, assinalou. “Tem oportunidades na bolsa brasileira e a gente está alocado, evidentemente com esse medo de alguma disfuncionalidade que possa acontecer com o fiscal brasileiro.”

O fundador da SPX destacou que o Brasil já entrou na crise com grandes dificuldades do ponto de vista fiscal, o que se aprofundou na crise, e fez um alerta sobre o desempenho atual dos mercados e em um futuro pó- coronavírus.

“O que está por trás do que fez os ativos financeiros performarem bem é uma situação que merece muita atenção e muito cuidado, porque se a gente voltar, e deve voltar nos próximos anos, como é que vamos enfrentar esse problema criado com esse brutal endividamento dos países?”, questionou.

E não é só o Brasil que está em risco. “A Argentina é um aperitivo do que está por vir nas economias emergentes”, afirmou Xavier, ressaltando que não seria um problema de curto prazo, mas reforçando a indicação dada na carta aos cotistas em julho.

“Embora haja razão e motivos para os preços dos ativos financeiros continuarem a subir, acredito que seja hora de pensar em comprar guarda-chuva em dia de sol”, escreveu a SPX, na ocasião.

Atento à escalada de preços na Bolsa americana, o gestor do fundo Verde disse que o mercado atingiu seu preço-alvo e que, ao longo da alta mais recente, se desfez de cerca de 75% das posições detidas via índice S&P 500. “Cheguei a ter 40%, hoje estou com 10%. Acho que os riscos estão maiores.”

Ainda assim, a visão de Stuhlberger é que a bolsa está cara e vai seguir assim. “Não acho que ainda tenha uma bolha suficientemente grande, estamos no preço justo.”

fonte: InfoMoney, escrita por Beatriz Cutait

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